
Apenas 80 gerações nos separam do nascimento de Jesus Cristo, em Belém da Judéia, que, consta, viveu a maior parte de sua vida circunscrito ao raio de poucas dezenas de quilômetros em torno de Nazareth, na Galiléia. Pregou a confraternização, o respeito entre os irmãos, o perdão e a generosidade.
Nossa trajetória na face da Terra não passa de poucos minutos, fossem os cinco bilhões de anos que nos distanciam do surgimento do planeta comparados à escala de um ano.
Nestes últimos “minutos” descobrimos ilhas e terras remotas, novos continentes. Levantamos pirâmides, torres de centenas de metros em direção ao céu. Inventamos a roda, a escrita, a máquina a vapor, o petróleo, o carro e infinitos objetos, muitos utilíssimos, outros absolutamente desnecessários. Pisamos na Lua e enviamos sondas a lugares remotos além até do Sistema Solar.
Criamos comidas quase artificiais, inspiramos fumaça vendida em pacotes de cigarros no glamour Hollywood que restringem nossa saúde e até nos matam de cânceres ou agravam doenças sem fins. Inventamos os transgênicos, esta incerta e arriscadíssima forma de nutrição que reduz drasticamente não só a biodiversidade não só do arroz e do milho da Terra, mas de tantos grãos que demoramos milhares de anos para reconhecer como comestíveis dentro da imensa biodiversidade com a qual fomos contemplados.
Temos consumido numa voracidade sem limites nossos recursos naturais. Poluímos nosso corpo, a casa do vizinho e os recantos mais remotos do planeta. Com nossa contínua (e crescente) emissão de CO2, começamos (aliás, há um século e meio) a destruir a finíssima e frágil camada de ozônio que, na estratosfera, garante a estabilidade da vida de plantas e animais ao nos proteger dos raios ultravioleta emitidos pelo Sol.
Diversas outras civilizações já se autodestruíram nos últimos milênios inclusive por absoluta falta de noção da fragilidade de seu entorno, de respeito e de cuidado com o habitat que as cercavam. Civilizações como as dos maias não foram simplesmente dizimadas pelos conquistadores espanhóis liderados por Hernán Cortez. Já estavam fragilizadas pela desequilibrada relação com seu habitat.
Isso vem sendo demonstrado por inumeráveis estudos nas mais diversas áreas, da biologia à física da atmosfera até a antropologia de civilizações remotas.
O intrigante mistério do desaparecimento das tribos que habitavam a Ilha de Páscoa, foi esclarecido por um painel de cientistas das mais diversas especialistas. Simplificando bem, eles derrubaram - em uma luta fratricida entre 13 tribos - todas as árvores de sua pequena ilha. Até aquelas que garantiam alimento e madeira para construir canoas com as quais pescavam em alto mar.
Nossa civilização industrial e urbana é o ponto alto de nossas conquistas e de nossa aventura neste planeta. É também o ponto alto de nossa profunda desconexão com a Natureza.
Durante dois milênios – ao menos – discutimos se o planeta era redondo. Ou se nossos barcos e navios cairiam na borda dos oceanos. Dessa vez, não temos tanto tempo assim.
A despeito de estudos cada vez mais amplos, consistentes e sólidos da comunidade científica, das universidades, das instituições de pesquisa de pontas, temos subestimado, quando não simplesmente ignorado os indícios e os alertas.
Nevascas sem fim no Hemisfério Norte alternadas com verões quentíssimos. Furacões em escala desconhecida no Sul. Inundações desde Londres a povoados distantes da Ásia. Secas e tufões sem precedentes na África. O lento derretimento do Polo Norte (que poderá ser navegável em décadas). Continuamos a destruir florestas – entre as quais a Amazonia - à velocidade de um campo de futebol por segundo!
A grande maioria de nossas instituições e partidos políticos mal acordou para a dimensão dos problemas. Partidos e candidatos adotam medidas modestíssimas ou cosméticas, o suficiente para ficarem “bem na fita” e se declararem ambientalistas (alguns, até parecem, desde criancinha). Adotam um discurso marketeiro e pouquíssimo mexem no essencial. Ao contrário, tem votado de forma sistemática (e discreta) no Congresso Nacional e nas assembléias estaduais contra medidas absolutamente urgentes e indispensáveis para garantir nosso futuro a longo prazo e com qualidade.
E isso inclui não só, mas em especial, os dois importantes partidos brasileiros que chegaram ao segundo turno nas eleições de 2010. Ambos tiveram um discurso pré-eleitoral, desmentido POUCAS SEMANAS após o resultado das eleições. O PSDB quanto à questão do Código Florestal. O PT, quanto a relevâncias das COPs e reuniões internacionais sobre mudanças climáticas.
Da retórica eleitoral à prática real, uma inversão de rumo de 180 graus!
Nossa imprensa só muito recentemente – no geral, há menos de 10 anos - vem dissolvendo a má vontade e o ceticismo negacionista ao noticiar tais questões. Grosso modo, ela retratou tais fatos e alertas dentro de uma moldura limitada e fragmentada.
Todos nós já perdemos um amigo, um parente ou uma pessoa próxima em um desastre de carro.
Consta que em 13 de setembro de 1899, teria morrido em Nova York o primeiro homem vítima de acidente de veículo. Segundo a OMS, morrem mais de 1,2 milhão de pessoas por ano em decorrência de acidentes de carro. Desde o início da indústria automobilística, estima-se que já morreram mais de cem milhões de pessoas em desastres provocadas por nossas frotas de carros e outros veículos a motor. Mais mortes do que Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Aliás, um número equiparável à somatória das mortes de TODAS as guerras do século XX.
Já nos conformamos com esse preço da civilização.
Entretanto, essa somatória pode ser apenas uma pequena fração dos riscos que estamos deixando em aberto para o século XXI.
Teremos nós – sete bilhões de habitantes e outros tantos que estão por vir - que tentar não só sobreviver, mas também nos acomodar da melhor forma possível.
Nossa existência sobre a superfície do planeta, ao contrário das nossas arrogantes e arraigadas convicções civilizatórias, é frágil, insegura, instável.
Teremos tempo para reverter tais tendências?
A rigor, não sabemos.
Cientistas conceituados - e até moderados - têm indicado que não temos muitas décadas para reverter nossos rumos, nossos padrões de produção econômica, nosso modo de produzir energia e consumir nossos recursos.
Estamos dispostos a fazer um novo e grande arranjo de nossas tecnologias, de nossos estilos de vida e também de nossos valores para sobrevivermos?
A resposta não pode ficar apenas para as novas gerações. Até o momento, a velocidade e a dimensão de nossas respostas efetivas estão em imenso descompasso com a velocidade e a escala dos problemas reais e potenciais.
Não podemos nos permitir tamanha distração e tanta protelação.
Tratam-se de escolhas que precisamos fazer cotidianamente hoje, agora.
A Terra e, com certeza, a grande maioria das espécies, sobreviverá a nós, não importa os desastres que venhamos a provocar.
Precisaremos remexer em nossas arraigadas crenças e convicções, alterar nosso estilo de vida, nosso foco de atenção e de preocupação e nos movimentar. Isso se quisermos que os filhos dos filhos de nossos filhos possam estar presentes ou ao menos comemorar com alguma qualidade dentro de um século, o Natal de 2110 e o Ano Novo de 2111.
Até onde alcançam as sondas que ultrapassaram os limites do Sistema Solar e os radiotelescópios que vasculham as profundezas do Universo, “there is no Planet B”.
Na mitologia da China Antiga, o ano de 2011 é o Ano do Coelho. Esperemos que todos nós sejamos um pouco mais “coelho” e um pouco menos “tartaruga” em se dar conta do tamanho da encrenca que já estamos produzindo na face da Terra.
Desculpem por compartilhar tantas inquietações em um momento de confraternização.
Mas entendi necessário reparti-las.
E é com essas indagações - e também esperanças - que desejo a todos um Natal de 2010 com confraternização genuína. Não só entre nós, mas especialmente entre aqueles que ainda estão por vir.
E – e mais do que próspero – um Sustentável Ano de 2011.
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